Em qualquer cidade do mundo sempre existem pessoas que de um modo especial fazem a história do local. São prefeitos, vereadores, delegados, professores, cantores, poetas, músicos, esportistas, advogados, comerciantes. Não raro, pela importância da atividade que exerceram em vida, transformam-se depois em nomes de praças, ruas, avenidas, logradouros públicos para emoção dos parentes.
Mas existe outra gama de habitantes que nunca desempenharam funções ditas oficiais ou legais. Ou mesmo desempenhando-as, foram carismáticos, possuíram atributos comportamentais diferentes dos padrões vigentes, o que os fez populares. Muitas dessas figuras permanecem eternamente na memória e no anedotário popular da cidade por seus feitos, atos, modos de expressão. Alguns são lembrados por sua personalidade bem humorada. Seus gestos cômicos. Suas respostas inusitadas. Outros, nem tanto...
Mesmo passadas décadas após sua morte, estes tipos populares permanecem vivos na memória dos mais idosos da cidade. Fazem a história verdadeira dessa comunidade, com toda sua idiossincrasia. Não essa história positivista, tão ao gosto dos legalistas e conservadores moralistas, tipo "nasceu em tanto, morreu em tanto, suas principais obras foram..." mas uma história feita por quem anda pela ruas e bairros, por quem conhece a cidade. Uma história cheia de riqueza humana. Com momentos para a dor. Para o patético. As mazelas. A depressão. A fome. E até para o humor. Enfim, uma história advinda de uma fauna humana que não foi cretina a ponto de esconder seus defeitos. Nem teve tempo de aprender a se camuflar. Na realidade, uns puros. Porque cheios de defeitos que todo mundo vê. Cercados de gente importante com muito mais defeitos, às vezes, mas que ninguém vê.
Sempre tive um oceânico carinho por estes tipos especiais. E fui amigo da maioria deles. De indagar de suas histórias. Dos tipos populares que existiram antes do meu nascimento também me ocupei, pesquisei sobre eles com os mais velhos da cidade, como os casos do Fanático (década 1930), Fanha (década de 1930) e Pipoqueiro (década de 1940). Tenho em meus arquivos centenas de anotações que ouvi de relatos orais do meu saudoso amigo e professor de Botânica Sistemática, Dr. Romeu Beltrão. Relatos do Edmundo Cardoso (que me empregou como revisor de A Razão, quando adolescente e ele, diretor do jornal). Do Eduardo Trevisan (quando muito chimarrão lhe servi na casa da rua do Acampamento quando lhe visitava com o Prado Veppo). Do vereador Lauro Machado (pai do compositor Antônio Carlos Machado). Do meu avô Fredolino da Luz Silveira. Do Gregório Coelho (meu grande amigo e patrono do Inter-SM). Do Modesto Dias da Rosa, recentemente falecido.
O "Tio Santo" era um afrodescendente de cabelos brancos que andava sempre com um saco de estopa nas costas e era o terror da gurizada que não se comportava bem. Quando a gente aprontava alguma travessura, a mãe dizia : "Vou chamar o Tio Santo para te levar embora no saco dele". Era um santo remédio. Costumava andar por toda a cidade, especialmente pela Silva Jardim e arroio Cadena, hoje Parque Itaimbé.
Posso citar, de memória, dezenas de outros tipos populares de Santa Maria: Hugo da Flauta, Tivico, Caçapa, Quinquinha, João dos Autos, Batista, Crocante, Farol, Maria-sem-queixo, Saldanha, Paulinho Bilheteiro, Claudinho, Batista, Bozó, Índio Tabajara, Boaventura, Engole-sapo, Polaco, Mudinho da Catedral, Sansão e Dalila, Antoninho-Faz-Tudo, Bentinho do Carmo, Velho da Carrapinha, Fogo-Torcida, Banha, Seu João do Sorvete, Caçapinha, Bibelô, Padre-das-cabras, Lanterninha Aurélio, Nestor Calcagno, Galo Rouco, Sete Calças, Vando, Negra Rosa, Tomate, Catixa, Moranga, Maestro Linhares, Antonello do Maneco, Alemão-da-bala-de-ovo, Sabão Cruzeiro, Goiabão, Clóvis Lassene, Magro Falado, Vaca, Américo, Amiguinho, Negra Tereza, Mudinha, Binha, Combate, Santinho, Cerejinha, Pinha.
Sobre cada um deles poderia escrever um alentado parágrafo, seu tipo físico, suas histórias, onde morava, seu linguajar. Mas não há espaço suficiente.
Eles também fazem parte dos 161 anos da nossa Santa Maria.